Parece que descansa, como se o
esforço de ultrapassar o Monfurado o tivesse levado à exaustão. Parece ter
ficado inerte na base mas com os membros ainda semi-estendidos pela serra. Uma
mão esquecida no poço da rua, num ângulo que parece desconfortável. Um pé
pousado no Lagar, a seguir aos Mouzinhos. Já foi Santiago, agora é só Escoural.
Uma dupla toponímia, ora sagrada,
ora profana. A primeira, a sagrada, é atribuída a outro santo, este mais
recente que o peregrino: São Nuno de Santa Maria, conhecido na história como
Nuno Álvares Pereira e, depois da canonização, como Santo Condestável. De acordo
com o que me contaram, terá sido o fundador da vila e o responsável pelo
batismo como Santiago, tendo ali vivido numa casa senhorial no Monte do
Cavaleiro. Desconheço se haverá aqui rigor ou a tradicional apropriação de uma
personalidade icónica que se verifica sempre com os heróis da nossa história, a
serem reclamados por cidades, vilas e aldeias de norte a sul.
Desconcertou-me, quando garoto
ainda, descobri que Escoural devia o seu nome à escória. Assim mesmo, no fundo,
um desperdício. O que resta de um minério depois de retirarmos todo o material
de valor. Aquilo que ninguém quer. Os que por cá viveram, há muitos séculos,
extraíam do solo da Serra do Monfurado aquilo que de melhor oferecia. O que
sobrava era atirado como material inútil encosta abaixo para o sítio onde, mais
tarde, nasceria a aldeia. Será, talvez, dessa massa indesejada, desprovida de
qualidades, que são feitas as nossas casas. No limite, talvez todos nós sejamos
descendentes dessa escória.
Apesar de me confessar leigo em
matérias de mineração, a curiosidade tem-me levado a aprender muitas coisas, descobri
que apenas chegamos à escória depois de fundir o minério. Quer isto dizer que a
escória é um resultado da exposição a temperaturas altíssimas, tão altas que
provocam o derretimento de metais. Foi esta descoberta que me levou do
desconforto ao orgulho no nome da minha terra. Mesmo que insistam em conotar
negativamente a escória, ela já passou por muito e suportou tudo. Foi
experimentada pelo rigor do fogo e dele nasceu. Talvez que o metal que se
aproveitou em tempos esteja hoje oxidado, esquecido algures ou até totalmente destruído,
mas a escória ainda cá está. Em todos nós que descendemos dela. Não sei se nos
corre no sangue em quantidades microscópicas, mas quero acreditar que sim. E que para além disso, nos une a todos num laço invisível. Quero acreditar que é o segredo da resiliência dos nossos antepassados. Eram talvez
feitos daquela matéria testada pelo fogo e, por isso, resistiram aos séculos, à
fome, à peste, à miséria, ao colher da esperança recém-plantada, e aos desafios
que se lhes apresentaram. Por isso, para mim, Escoural ressoa-me a duradouro e
resistente, como as suas gentes e como a escória.
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