Tuesday, November 30, 2021

Atenas II


Porto de Pireu. Navios do tamanho de edifícios. Vento, muito vento. Mas estes navios não precisam dele, não têm velas.

As pessoas agitam-se na estação de metro. Alguns turistas, mas sobretudo gente que quer ir trabalhar. O metro talvez esteja em greve ou seja pouco eficiente. Uns voltam para trás e vão para o autocarro, as caras mostram desagrado. Eu sento-me à espera. Por uma vez não tenho pressa. Vejo cada pessoa que entra, voltar a sair com a cara mudada pela contrariedade. A meu lado carregam entulho e à minha frente uma senhora segura o seu quiosque para que não voe com o vento. Lembra-me o guerreiro, no longo regresso a Itaca, amarrado ao mastro do navio para ignorar o apelo irresistível das sereias.

A carruagem foi-se preenchendo. Tomado por um receio de partir, por equívoco, para uma estação longínqua, por instantes um receio maior do que o do vírus que nos faz cobrir a cara, peço ajuda. Sim, vou para o sítio certo, dizem-me. Só aí verifico a ausência total de desinfetantes e o vírus volta a mandar nos meus receios.

Saio da estação à procura de álcool e sou surpreendido pela visão da acrópole que reina sobre a cidade. Milhares de anos de história em cima daquela colina. Daquela rocha. Homens transformados em deuses e deuses que eram como os homens. Hoje reduzidos à sua representação em imans para frigoríficos, porta chaves e outros souvenirs made in China. Ainda procuro Teseu, Thessias, mas não há. Temos os deuses, Aquiles, olhos azuis e reproduções de edifícios moldados nalgum país asiático. 

Plaka é um labirinto de ruas concebido para o turista se sentir perdido. Procuramos perder-nos quando viajamos para irmos ao encontro do cliché da autodescoberta, da viagem interior. Para, no falso alívio após o reencontro do caminho, nos sentirmos como Ulisses quando, uma vida depois, reencontra a costa familiar da sua ilha.

Em cada esquina, olhando para cima, de novo a acrópole. Parece desafiadora, altiva. Amanhã irei lá estar. 

Monday, November 29, 2021

Atenas I

Uma oportunidade perdida. Aegean como nome de uma companhia aérea grega é isso mesmo, uma oportunidade perdida. Pegasus, Dedalus, Ajax seriam nomes bem mais apropriados. Icarus já não tanto, descolava bem, voava sem problemas, mas era mais fraco nas aterragens e talvez não desse tanta confiança a potenciais passageiros. 

Aterrei agora em Atenas num avião cheio de gregos. A cadência da fala próxima dos latinos, mas a fonética menos familiar. Antes de os ouvirmos, não os conseguimos logo identificar. Parecem portugueses alguns, outros espanhóis, outros ainda turcos.

Piso com meus próprios pés a pátria dos mitos, numa altura em que, por coincidência, estes me interessam. Sobretudo Teseu, o herói dos atenienses, o homem forte por excelência. São cinco horas em Portugal, aqui sete. Já é noite. Aterro em Atenas de noite. Os placards publicitários num alfabeto que desconheço. Os símbolos sozinhos ou juntos, indecifráveis. Experimento um misto de uma espécie de analfabetismo com o prazer de me deslocar para um lugar longe e diferente. Não saber sequer ler aqui humilha-me e poder estar aqui exalta-me. São sentimentos que guerreiam entre si. Deixa-los, ausento-me de mim para assistir à batalha.