Tuesday, February 22, 2005

Ontem li:


The Little Black Boy
My mother bore me in the southern wild,
And I am black, but oh my soul is white!
White as an angel is the English child,
But I am black, as if bereaved of light.

My mother taught me underneath a tree,
And, sitting down before the heat of day,
She took me on her lap and kissed me,
And, pointed to the east, began to say:

"Look on the rising sun: there God does live,
And gives His light, and gives His heat away,
And flowers and trees and beasts and men receive
Comfort in morning, joy in the noonday.

"And we are put on earth a little space,
That we may learn to bear the beams of love
And these black bodies and this sunburnt face
Is but a cloud, and like a shady grove.

"For when our souls have learn'd the heat to bear,
The cloud will vanish, we shall hear His voice,
Saying, 'Come out from the grove, my love and care
And round my golden tent like lambs rejoice',"

Thus did my mother say, and kissed me;
And thus I say to little English boy.
When I from black and he from white cloud free,
And round the tent of God like lambs we joy

I'll shade him from the heat till he can bear
To lean in joy upon our Father's knee;
And then I'll stand and stroke his silver hair,
And be like him, and he will then love me.
by William Blake, Songs of Innocence (1789)

Tuesday, February 15, 2005

Inveja também é Medo 3



O Coração do Menino e o Menino do Coração, conto de Mia Couto

Inveja também é Medo 2



Antídoto, contos de José Luís Peixoto

Inveja também é Medo 1

Série de posts dedicados ao que li, gostei, e queria ter sido eu a escrever:

O Homem, Conto de Sophia de Mello Breyner Andresen

Monday, February 14, 2005

Poema pouco original do medo

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angústiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos


Alexandre O'Neill

Ao LFCP


Pergunto ao meu avô:
“Onde está o tempo?”

Responde-me:
“O tempo que passou está na minha face, está nas minhas mãos...
O tempo que virá está nas tuas!”

Chorei, livre mas abandonado,
completamente entregue às lágrimas que sulcavam o meu rosto
Os meus gritos queriam dizer miséria e angústia nalguma língua desconhecida.

Senti-me prisioneiro nas paredes sujas da cidade,
Longe da minha aldeia,
menino assustado que acorda sobressaltado de um pesadelo.

Sem saber porquê, vieram a meus olhos as imagens com as quais aprendi o que era a Morte:
A Morte no poço
A Morte na corda
A Morte na arma
A Morte no frasco de veneno

Esta é a Morte da Aldeia
Vejo-a nos olhos cheios de passado do meu avô...
Vejo-a na face de toda a gente...

Friday, February 11, 2005

American Poet



AWAKE

Shake dreams from your hair
My pretty child, my sweet one.
Choose the day and choose the sign of your day
The day's divinity
First thing you see.

A vast radiant beach in a cool jeweled moon
Couples naked race down by its quiet side
And we laugh like soft, mad children
Smug in the woolly cotton brains of infancy.
The music and voices are all around us.
Choose, they croon, the Ancient Ones
The time has come again.
Choose now, they croon,
Beneath the moon
Beside an ancient lake.
Enter again the sweet forest,
Enter the hot dream,
Come with us,
Everything is broken up and dances.

by Jim Morrison

Jim Morrison não é só um dos maiores ícones pop da sua geração. Um olhar mais atento descobre pérolas como este belíssimo Awake. Há qualquer coisa de Dionisiano neste poema. Espero que apreciem.

Thursday, February 10, 2005

Balada de um Estranho

Hoje acordaste de uma forma diferente dos outros dias
Sentes-te estranho
Tens as mãos húmidas e frias
Tentas lembrar-te de algum pesadelo
Mas o esforço é em vão
Parec-te ouvir passos dentro de casa
Mas não sabes de quem são

Deixas o quarto
E vais à sala espreitar atrás do sofá
Mas aí tu já suspeitas que os fantasmas não estão lá
Vais à janela e ao olhares para fora
Sentes que perdeste o teu centro
E de repente descobres
Que chegou a hora de olhares para dentro

Porque há qualquer coisa que não bate certo
Qualquer coisa que deixaste para trás em aberto
Qualquer coisa que te impede de te veres ao espelho nu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu

Vês o teu nome escrito num envelope
Que rasgas nervosamente
Tu já tinhas lido essa carta antecipadamente
E os teus olhos ignoram as letras
E fixam as entrelinhas
E exclamas: "Mas afinal... estas palavras são minhas!"

O caminho para trás está vedado
E tens um muro à tua frente
E quando olhas para os lados vês a mobília indiferente
E abandonas essa casa
Onde sentiste o chão a fugir
Arquitectas outra morada,
Mas sabes que estás a mentir

Porque há qualquer coisa que não bate certo
Qualquer coisa que deixaste para trás em aberto
Qualquer coisa que te impede de te veres ao espelho nu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu

Jorge Palma, Balada de um Estranho

Wednesday, February 09, 2005

Luz medo

Nuvens de fumo enchem meus olhos de verdade:
Aparições das coisas como foram e como serão
Seres de duas faces, encriptadas em línguas mortas

Alucino

Dentes velhos, avançam para mim- não distingo sangue de ferrugem...
Sempre os mesmos dentes para os quais não há antídoto
Medo é veneno. Veneno é medo.

Vejo

Fogem de mim como ameaçadas pelo sol
que inrrompe pela cave.
O medo não se esconde na sombra,
Esconde-se na luz!

Wednesday, February 02, 2005

Vestígios

noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenámo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas
noutros tempos os dias corriam como a água
e limpavam os líquenes das imundas máscaras
hoje
nem uma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se espande pelo corpo estentido
no quarto do zinabre e do álcool
pernoita-se onde se pode
num vocabulário reduzido e obsessivo
até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir
apesar de tudo continuamos a repetir os gestos
e a beber a serenidade da seiva
vamos pela febre dos cedros acima
até que tocamos o místico arbusto estelar
e o mistério da luz fustiga-nos os olhos numa euforia torrencial.

Al Berto

cavalos de fogo
libertam o sol
na aragem
que os abraça carinhosamente
fazendo a luz ténue
que lhes deu vida
chorar as sombras
que teimam em fugir

NOX metaforaimagista.blogspot.com

Não resisti a tamanha cumplicidade entre Perfeição e Simplicidade deste poema de Nox.

Tuesday, February 01, 2005

Exercício de Memória

Fios invisiveis suspendem pontes inacabadas
Que levam a lugar nenhum e espalham a sombra pela terra morta
As águas sepultam exércitos de outra era e soltam o odor intoxicante da morte

Estou preso no sonho

"Vem para dentro da sombra" sussuram-me
"As criaturas da escuridão são horríveis à vista mas agradáveis ao tacto"
Toquei-lhe na anca e a Morte sorriu.

Neruda/Comércio de palavras

A palavra

Pablo Neruda

"... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as como estalactites no meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda... Tudo está na palavra... Uma ideia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que, se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ... São antiquíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, botifarras, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras. "