Quando uma ideia original lhe passava pela cabeça, descartava-a de imediato. Para ele as ideias tinham pedigree, linhagem que as certificava. Podiam ter sido até lançadas apocrifamente, desde que depositadas na Internet, esse espaço onde as citações sem contexto se acumulam como pau para toda a obra. Nesse armazém podia entrar a toda a hora e retirava uma frase para qualquer ocasião. Era ele quem tinha a chave.
Das obras dos grandes pensadores e dos consagrados autores conhecia apenas a lombada. Um excerto apelativo e selecionado enquanto estratégia de marketing. Das grandes obras, lera o resumo dos apontamentos Europa América. Não as conhecia senão superficialmente, mas citava-as com familiaridade e dando-se ares de erudição. Mesmo que as citações estivessem erradamente atribuídas a um autor. Mesmo quando eram uma descarada banalidade.
Agarrava-se a uma citação como um náufrago a uma bóia. Conseguia maior efeito ainda, quando essa citação era em inglês. Nessas ocasiões, não as dizia, escrevia-as online. Os fãs reagiam inundando-o de likes. O senhor papagaio, batizei-o assim, era feliz com isso. Identificava sempre a fonte e usava aspas. De Andrade, Eugénio à Bíblia, de Xavier, São Francisco a Zink, Rui. Fazia da citação uma arte.
Quando morreu, fui ao funeral. A primeira originalidade estava guardada quanto à cova. Um buraco com meio metro de profundidade. A terra mal tapava o caixão depois de tudo terminado. Mas a perplexidade foi total quando colocaram a lápide. Nem cruzes, nem anjos, nem santos. É hoje atração turística naquela vila alentejana. Um papagaio em alvenaria que devora vários livros enquanto defeca sobre o túmulo. Mais nada. Não há nomes ou aspas, apenas uma derradeira originalidade, um canto, não de cisne, mas de papagaio.
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