I
Lembro-me como foi. Era verão, as pessoas pareciam absurdamente felizes por abandonarem, por uma ou duas semanas, as suas vidas. Como manadas, com a mesma vibração com que todos os dias atravessavam pontes para ir trabalhar e enfrentavam a longa espera, migravam de norte para sul e de este para oeste. Os automóveis, rugindo em competição, enchiam as estradas. Nas cidades de paragem, os negócios prosperavam, vendiam-se cafés ali, cozido à portuguesa em outro local, pinhoadas e camarão do rio na Ponte, recordações feitas de barro. Os comerciantes, antigos homens do campo, viam-nos chegar e partir enquanto contavam os euros que lhes iam enchendo a registadora. Quem ficava no norte e no interior, queimava o tempo a ver ciclistas, futebolistas e festas em directo pela televisão. Tentavam esquecer a pouca sorte de não se poderem juntar aos seus vizinhos naquele êxodo.
As televisões e os jornais enchiam-se de notícias que não eram notícias, de reportagens que nada reportavam, de entrevistas a pessoas conhecidas que tinham as suas verdades a anunciar ao mundo como o seu restaurante preferido, ou quem pensavam que ia vencer o campeonato de futebol, ou se preferiam bolos com ou sem creme. As notícias rareavam, os jornalistas com discernimento estavam de férias. Eram só cães a morder homens.
Até que, de repente, surgiu a notícia. De início, um repórter bronzeado tentando fazer humor com a situação, a tentar transformar a notícia numa não-notícia ou num sketch humorístico. Ao seu lado, todos procurávamos a cara envergonha sob o peso daquela chacota. Mas não víamos mais que a cintura de alguém andrajosamente vestido.
Quando a câmara num ângulo impossível lhe captou a face apontando para o céu, fiquei incrédulo. Aquela cara, eu que a tinha tentado esquecer com tanta força, perseguia-me na minha própria televisão.
Lembro-me como foi. Era verão, as pessoas pareciam absurdamente felizes por abandonarem, por uma ou duas semanas, as suas vidas. Como manadas, com a mesma vibração com que todos os dias atravessavam pontes para ir trabalhar e enfrentavam a longa espera, migravam de norte para sul e de este para oeste. Os automóveis, rugindo em competição, enchiam as estradas. Nas cidades de paragem, os negócios prosperavam, vendiam-se cafés ali, cozido à portuguesa em outro local, pinhoadas e camarão do rio na Ponte, recordações feitas de barro. Os comerciantes, antigos homens do campo, viam-nos chegar e partir enquanto contavam os euros que lhes iam enchendo a registadora. Quem ficava no norte e no interior, queimava o tempo a ver ciclistas, futebolistas e festas em directo pela televisão. Tentavam esquecer a pouca sorte de não se poderem juntar aos seus vizinhos naquele êxodo.
As televisões e os jornais enchiam-se de notícias que não eram notícias, de reportagens que nada reportavam, de entrevistas a pessoas conhecidas que tinham as suas verdades a anunciar ao mundo como o seu restaurante preferido, ou quem pensavam que ia vencer o campeonato de futebol, ou se preferiam bolos com ou sem creme. As notícias rareavam, os jornalistas com discernimento estavam de férias. Eram só cães a morder homens.
Até que, de repente, surgiu a notícia. De início, um repórter bronzeado tentando fazer humor com a situação, a tentar transformar a notícia numa não-notícia ou num sketch humorístico. Ao seu lado, todos procurávamos a cara envergonha sob o peso daquela chacota. Mas não víamos mais que a cintura de alguém andrajosamente vestido.
Quando a câmara num ângulo impossível lhe captou a face apontando para o céu, fiquei incrédulo. Aquela cara, eu que a tinha tentado esquecer com tanta força, perseguia-me na minha própria televisão.
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