Eram as horas no café que
tornavam tudo suportável: as longas horas fora de casa, o levantar cedo, o legítimo
mau humor da sua esposa por estar tantas horas fora de casa e, sobretudo, a
monotonia de muitas horas para passar e pouco com que as ocupar. Lia o jornal
diário, lia o jornal desportivo, com um vagar absoluto. Consultava o correio
eletrónico sabendo que nada de novo tinha chegado, fazia pesquisas inúteis na
Internet e observava as pessoas que entravam. Começou a conhecer-lhes as
rotinas e os horários, os gostos e as manias. Um gostava do café cheio, outro
pedia pingado. Uma senhora, com um vago sotaque madeirense, pedia sempre
adoçante. Uns vinham sozinhos para fumar um cigarro, outros faziam daquele
momento um ritual social.
Lembrava-se a todo o momento de
um romance que trouxe da biblioteca mas nunca chegou a terminar: “A Colmeia” de
Camilo José Cela. Aqui era ele o voyeur. O narrador impertinente e indiscreto
que tudo vê e relata.
Naquele ano, viu-se numa situação
nova. Como professor, sabia que cada ano podia trazer um desafio diferente. O
ano anterior tinha sido de muito trabalho. Agora, porém, o desafio era
contrário. Era manter a sanidade, a cem quilómetros de casa, no meio do tédio.
A princípio ocupou-se a escrever.
Tinha dentro dele aquela compulsão que faz com que tenha sempre uma história
para fixar em papel, uma memória para cristalizar e preservar ou um pensamento
que quisesse desenvolver. Mas esse poço depressa secou e via os ponteiros do
relógio arrastarem-se num langor que lhe esticava os nervos.
Nunca gostou muito de conversar.
Acha que as pessoas, quando as estamos a conhecer são uma ficção. Quanto mais
se querem dar a conhecer mais escondem quem são na realidade. Escondem o que
julgam ser defeitos e maquilham as pretensas qualidades. A espontaneidade genuína
está em vias de extinção. Para as conhecermos realmente, pensa por vezes, temos
que ser uma espécie de David Attenborough, camuflado e a observar à distância.
Quando fica a conhecer, ou melhor, a compreender as pessoas, é quando perde
todo o vestígio de interesse.
Por isso gostava do café. Era
como observar a natureza. Os animais comportam-se de maneira diferente quando
não estamos a olhar. O rouxinol canta quando pensa não ter público humano mas
foge quando avista alguém. No fundo, não somos assim tão diferentes.
Um dia o café fechou. Prometiam
fazer umas pequenas obras de remodelação e abrir em breve com nova gerência. A
reabertura tardou, por isso despediu-se, entregou o pré-aviso de trinta dias e preparava-se para nunca mais voltar. No último dia dessa interminável espera, ao sair olhou e viu um letreiro colado à porta do café: "Reabre hoje com nova gerência".
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