Era na casa a seguir à cozinha. À esquerda, encostada à parede, a cama alta de ferro onde gostava de estar sentada. À direta, dois sofás, uma janela, um roupeiro e uma mesa com a televisão a cores. Era por ali que andava e passava a maior parte do dia. Poucos metros quadrados de mundo com um bacio por debaixo da cama.
Já não se aventurava fora de casa. A saúde não o permitia. Recuando muito na memória ainda me lembro dela em minha casa. A demorar meia hora para fazer, com passinhos curtos e inseguros, os 150 metros que iam de uma porta à outra. A subir as traiçoeiras escadas de gatas pacientemente e a chegar ao primeiro andar cansada e eufórica como um alpinista. Esses dias depressa passaram.
As nossas conversas eram pontuadas com longos silêncios. Demorados minutos em que nenhum de nós dizia palavra. Falávamos com os olhos e o resto da cara. Às vezes ria calada, outras comovia-se ao ponto de quase chorar. Terminava o silêncio com a frase que lhe ouvi tantas vezes: "O meu Miguel está tão magrinho". E não estava, estava até gordo.
Durante essas pausas, demorava-se olhando para mim como se me estudasse as feições, parecia que tinha medo de as esquecer. Incomodava-me, às vezes, aquele olhar. Desviava então os olhos para o roupeiro. A porta do meio tinha um espelho e tentava lá perceber o que ela procurava tão atentamente. Nunca encontrei nada de especial. Só uma cara banal ora com barba, ora barbeada.
Dessas conversas, um detalhe é o mais importante, as suas mãos. Gastas e secas mas quentes e acolhedoras. Passava-me as mãos pelo rosto, sentindo os ossos do maxilar e tomava as minhas mãos nas suas. Toda a ternura que sentia para com o seu neto estava condensada nesse gesto. As mãos estavam sempre quentes quando eu tinha frio e frescas no verão abrasador do Alentejo.
Quando, como agora, algo me leva para a sua lembrança, são as mãos que sinto na minha face e ouço, num sussurro: "O meu Miguel está tão magrinho."
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