Tuesday, June 22, 2010

Esta é uma imagem rara. Saramago não era um homem de grandes sorrisos como não pode ser alguém que se auto-intitula um optimista céptico. Mas foi a imagem que escolhi para esta minúscula homenagem a um grande homem, com convicções das quais partilho, a um enorme nome das letras mundiais, certamente o maior romancista português desde Eça. Não encontrava no mundo grandes motivos para sorrir e, talvez, não existam assim tantos quando olhamos para o seu desgoverno. Foi, para muitos, um grande talento incómodo. Não sou muito nacionalista e considero Saramago um autor do mundo mas foi pena que passasse tantos anos em Lanzarote e não fosse uma figura mais interventiva na vida pública portuguesa. Mas talvez a isso o tenham obrigado. Tive o privilégio de, por três vezes, estar fisicamente perto de Saramago e de, por duas vezes, ouvir as suas palavras. Na primeira vez era um miúdo que estava a deixar de ler os livros do Júlio Verne e do Stephen King e começava a interessar-se, por causa da escola, por outras literaturas. Acabado de sair do click que fora ler Aparição e do prazer sem limites que fora ler Os Maias. Tinha ouvido dizer, como toda a gente, que Saramago tinha ganho um Nobel e, movido pela curiosidade de conhecer um escritor, compareci naquela sala cheia a abarrotar do salão da Biblioteca de Montemor-o-Novo para o ouvir falar do seu passado no Lavre e das suas origens humildes (as quais ,vim a saber mais tarde, tinha já partilhado com os membros da Academia Sueca num discurso que já li tantas vezes com os meus alunos). Anos depois, encontrei-o de novo em Évora para falar sobre o Ensaio Sobre a Lucidez. Conhecia já a sua obra e compareci prontamente à hora marcada. Ele não, atrasou-o um camião do lixo, disse com humor. Ouvi-o avidamente. Escutei a sua humildade quando indagado sobre a originalidade da forma como tratava temas banais, como se fosse só levantar as pedras que ninguém se tinha lembrado de levantar. Este Sábado, fui a Lisboa a um workshop (eu que raramente lá vou) e, numa das curtas pausas para refeições, almocei num restaurante junto ao Marquês de Pombal. Passados alguns minutos de me sentar para almoçar, um carro funerário com escolta policial, transportou os restos mortais de José Saramago. Por acaso? Talvez... Mas mais do que em todos estes encontros, fortuítos ou não, estive realmente com Saramago nos seus romances, todos. Mas acima de todos, em Ensaio Sobre a Cegueira quando li as últimas páginas a chorar de esperança (também se chora de esperança) e quase, quase senti o cão das lágrimas lamber-me a face.

4 comments:

Luis Leal said...

Prometi redimir-me e conhecer mais a sua obra. Vou começar por a "viagem do Elefante" que tenho aqui.

Cloreto de Sódio said...

Belo texto. Abraço

MAR said...

Luís, nunca é tarde. Recomendo-te sobretudo Ensaio sobre a Cegueira. Como apaixonado pela Língua e Cultura do país vizinho, vais gostar de "A Viagem do Elefante".
Um abraço.

MAR said...

Professor,
essas três palavras, vindas de si, significam imenso para mim.
Obrigado. Um abraço para si também.