Na tradição popular, pejada de superstição misturada com saber feito da experiência de muitas gerações, as encruzilhadas são lugares de magia e maldição. Negoceia-se com o diabo em figura de gente e, contava o meu avô, era onde os lobisomens, que ao contrário dos de Hollywood se transformavam também em bestas de carga, deixavam as roupas ao abandonar a forma humana.
O caminhante que vem de uma longa e árdua jornada perde ali a certeza da direção a tomar. Mas tem que decidir. Em caso algum pode, como canta o Jorge Palma, chamar "casa a esse lugar". Ao demorar-se ali, a maldição começa a ganhar força e a dúvida destrói-o por dentro.
As certezas são sobrevalorizadas, começo a descobrir. Mais vale uma convicção. Até um palpite, em muitas ocasiões, é preferível. O que há a fazer é olhar, analisar, escolher e avançar. E, sobretudo, não olhar para trás. Como Ló e as suas filhas em fuga de Sodoma e Gomorra, avançando sempre e deixando atrás de si a estátua de sal da sua mulher.
Há quem argumente que a encruzilhada nos dá a ilusão do livre arbítrio. Quem tem fé, pode confiar a decisão a deus ou ao destino. Ao resto de nós, resta crer na nossa capacidade de olhar para a realidade e projetar o futuro.
Encontramos todos encruzilhadas na nossa vida, fazem-nos crescer. Fazem parte do nosso caminho. Ficamos mais fortes, mais experientes e mais sábios de cada vez que as ultrapassamos. Passamos por elas mas é como se elas também passassem por nós. Não saímos delas iguais. Sairemos melhores se conseguirmos, sobretudo, resistir a olhar para as opções que declinámos. Se soubermos que olhar para trás só nos acrescenta azedume e é inútil. Já não estamos lá. Melhor será projetar hipotéticos novos cruzamentos onde, de novo, teremos que decidir com um palpite ou uma fezada. E a vida é feita disto. E de novo Jorge Palma, desta vez, penso eu, mais certeiro: "enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar".
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