Thursday, December 15, 2005


Será legítimo matar quem matou?
É certo que poucas vezes nos orgulhamos de ser portugueses, e é verdade que temos poucos motivos para isso, uma dessas poucas razões é termos sido o primeiro país europeu a abolir a pena de morte. Falo da pena de morte porque os Estados Unidos, mais concretamente o Estado da Califórnia e o seu governador- o Exterminador Implacável, assassinaram na madrugada de quarta-feira Stanley Tookie Williams. Tookie foi condenado à morte no ano em que nasci- 1981, ausado de matar 4 pessoas. Desde então remetido às 4 paredes da sua cela de 3 metros quadrados, Tookie, sempre reclamando a sua inocência, esperou pacientemente que o governo do seu estado o matasse. A pena de prisão serviu para que Tookie se redimisse, passou de líder de um violento gang de Los Angeles a militante anti-violência. De criminoso a várias vezes nomeado para o Nobel da Paz. Esta metamorfose vem descrita no livro que escreveu (entre muitos outros, costuma-se dizer que quem é preso escreve um livro...) com o sugestivo título de Redemption. Se aconteceu com Tookie, porque não há-de acontecer com outros? Que legitimidade tem o Estado, que repudia o assassinato, de matar?
Ouço muitas vezes as pessoas gritarem a sua indignação contra assassinos, pedófilos e outros criminosos, e interrogarem-se como seria o nosso país com a pena de morte. A resposta é bem simples: um país menos civilizado. Um país que não dá a quem erra a hipótese, o direito de se redimir. E isso mete medo.

Friday, December 09, 2005

Arcade Fire


Eis o que tenho andado a ouvir. O albúm Funeral dos canadianos Arcade Fire. Um grande albúm com belíssimas canções das quais destaco Wake Up.
Não se pode classificar o som deles como convencional, muito longe disso, e é também aí que ganha pontos. É aceitando e compreendendo a sua originalidade que se começa a aceder a este albúm que, como diria Pessoa, "primeiro estranha-se, depois entranha-se". A música dos Arcade Fire faz vibrar qualquer coisa cá dentro por isso lembra-me a primeira vez que ouvi OK Computer dos Radiohead, o do Jorge Palma ou o velho albúm em vinil Absolutely Live dos The Doors.
Também me agradou a grafismo retro a que recorrem tanto nas fotos do albúm como no site. Ouçam, vejam o site e ofereçam como prenda de Natal se quiserem fazer alguém feliz.

Wednesday, November 09, 2005


é só para partilhar com vocês esta foto q tirei este Verão na Salvada (concelho de Beja) essa bela localidade. Não se percebe muito bem mas sou eu e o Jorge Palma e lá atrás em segundo plano o Vicente Palma, o filho.
Foi uma noite fixe porque falei com o Jorge um bocado, tirei uma foto e fiquei com um autografo, mas o concerto deixou um bocado a desejar mais uma vez por causa dos excessos etílicos. Ainda assim, não deixei de me arrepiar inúmeras vezes como quando abriu com O Meu Amor Existe ou se sentou ao piano para cantar Estrela do Mar.
Enfim, está partilhado.

Saturday, October 08, 2005

um texto de "o vermelho no escuro"

Vêm ao longe
as ressonâncias

Abrem-se fendas
na pedra dos ossos
que estalam
em gemidos plangentes.

A carne
estremece
em crateras de dor.

A alma
foragida
procura o reencontro com o útero.

O caminho
sem caminho
o caminho procura

A loucura
enxameia
em ondas de espuma viscosa de azeviche
a existência singular.


A vida
faz-se
de sangue vermelho.

De negro
se faz
o poema.

António Ricardo Mira

Poema embriagado

Bebo
Bebo sem medo
A alma no copo
A alma do corpo

Bebo sem medo
Do ridículo
Vinículo

E encontro-me no espelho outra vez
E saúdo alguém que não quero ser
E o álcool diz que eu não sou aquilo
Por isso traz-me prazer


8/10/05

Thursday, September 15, 2005

Memória Recuperada

Águas fétidas sepultam exércitos de eras distantes.
As armas brilham como peixes carnívoros.
Dentes afiados que apodrecem.
Não sopra o vento, mas se soprasse seria o cheiro da morte,
Do sepulcro vandalizado pelo tempo.

Pontes inacabadas e suspensas por fios invisíveis.
“A luz não é real” – disse alguém imerso na escuridão, olhos vazios.
“As criaturas rastejantes são desagradáveis à vista, mas agradáveis ao tacto”.
Toquei-lhe na anca e a morte sorriu.


2004

Friday, July 29, 2005

Para vos entreter nas férias:

Acende mais um cigarro, irmão
inventa alguma paz interior
esconde essas sombras no teu olhar
tenta mexer-te com mais vigor

abre o teu saco de recordações
e guarda só o essencial
o mundo nunca deixou de mudar
mas lá no fundo é sempre igual

E agora, que a lua escureceue a guitarra se partiu
D. Quixote foi-se embora
com o amigo que a tudo assistiu
as cores do teu arco-íris
estão todas a desbotar
e o que te parecia uma bela sinfonia
é só mais uma banda a passar

A chuva encharcou-te os sapatos
e não sabes p'ra onde vais
tu desprezavas uma simples fatia
e o bolo inteiro era grande demais
agarras-te a mais uma cerveja
vazia como um fim de verão
perdeste a direcção de casa
com a tua sede de perfeição

Tens um peso enorme nos ombros
os braços que pareciam voar
tu continuas a falar de amor
mas qualquer coisa deixou de vibrar
os teus sonhos de infância já foram
velas brancas ao longo do rio
hoje não passam de farrapos
feitos de medo, solidão e frio

Jorge Palma

Apesar do tom pessimista, para mim é uma canção feel-good, como muitas do Jorge Palma. Vou ouvir isto muitas vezes estas férias. Adeus e até ao meu regresso!

Friday, July 22, 2005

Ontem li: (do meu amigo poeta) II

Rainy Day Like Any Other

Wind and water flowing outside,
Thoughts and pictures through an empty mind,
Myself and I alone tonight.
While every rime I make ends with an “I”…

A concept of modern poetry,
A new concept in quatrains,
Recalling myself of the great before me,
A new concept in an old portrait.

Words becoming verses
Verses becoming stanzas,
Leaving the quarter verse behind.

Seven:

Motion and stillness,
Action and routine,
Sound and silence,
Echoes…

Seven days a week
Twelve months a year,
All years in a lifetime!

Recalling myself of the great before me,
The ones that knew how to write,
The ones that were modern
Without living in these modern times.

I remember the days before the rain,
The moments, the hours and the time long gone,
While I listen to this song,
Of raindrops at my door.

All this and nothing,
Today,
On this rainy day,
Like any other!


N. J. Smith

Wednesday, July 13, 2005

Hoje sinto-me assim:

"No calor da febre que me alaga toda a fronte
Sinto o gume frio da navalha até ao osso
Sinto o cão da morte a bafejar no meu pescoço
E a luz do sol a fraquejar no horizonte
Já desfila trémulo o cortejo do passado
Que me deixa quedo, surdo e mudo de pesar
Vejo o meu desgosto na beleza do teu rosto
Sinto o teu desprezo como um dardo envenenado (...)
Sopra forte o vento na fogueira que arde em mim
Sinto a selva agreste nos batuques do meu peito
No cruel caminho em que me lança o desespero
Sinto o gelo quente do inferno do meu fim..."
Adolfo Luxúria Canibal

Monday, June 27, 2005

Ontem ouvi (ao vivo):

Adormecido
No cenário da tua vida
aclamas noites alucinantes
de gentes estonteantes
que são tanto como tu

No teatro do teu olhar
há quem note que a coragem
não passa de uma miragem
com preguiça de gritar

No repetir do teu mostrar
inventas-te uma história
que em ti não há memória
porque sabes que não é tua...

Houve alguém que te conheceu
Que te faz tremer ao passar
porque nunca a deixaste de amar...
Continuas a ensaiar
a conveniência do sorriso
o planear do improviso
que te faz sentir maior
no artifício dos teus gestos
pensas abraçar o mundo
quando nem por um segundo
te abraças a ti mesmo
e assim vais vivendo
e assim vais andando aí
e assim vais perdendo em ti
tudo aquilo que nunca foste...
Houve alguém que te conheceu
Que te faz tremer ao passar
porque nunca a deixas-te de amar
Quando um dia acordares
numa noite sem mentira
e te vires onde não estás
vais querer voltar para trás.
Toranja, Esquissos

Monday, June 20, 2005

Ontem li: (do meu amigo Poeta)

Simposium De Mim

Eram dias oblíquos numa vida estranha,
Foram dias crus nesta rotina mundana...
Desta vida guardei muito pouco,
Sou louco!

Mas de quando em vez esqueço-o
Absorto em normalidade,
Perdido em trivialidade,
O ser e o não ser
Em eterna contradição,
Perpétua convulsão...

Em mim!

A Incapacidade de agir,
Fadista da alma sem a saber cantar,
Criatura sem garra sem saber amar.
Cantor sem voz num mundo de palavras ocas...

Enquanto desfilam as outras,
Aquelas criaturas loucas,
Tão mais sanas do que eu,
Vendo-as passar ao sabor do tempo,
A idade marca a hora de tantas derrotas agudas,
Neste mundo de palavras mudas.

Poeta sem pena nem esperança!

Alguém que escreve
num papel a lembrança,
Do que foi sem nunca ter sido...

Poeta perdido!




Gabriel Gonçalves

Monday, June 13, 2005

Eugénio de Andrade 1923-2005


Os elementos irão agora receber quem melhor os cantou. Eugénio é agora rosa na rosa, canto na ave e água no mar. A sua poesia irá manter-se como chama acesa da sua memória.

Wednesday, June 01, 2005

Ontem li:

Demasiado Humano

Escancarei, por minhas mãos raivosas,
As chagas que em meu peito floresciam.
Versos a escorrer sangue eis escorriam
Dessas chagas abertas como rosas…

Assim vos disse angústias pavorosas
Em versos que gritavam… ou sorriam.
Disse-as com tal ardor, que todos criam
Esse rol de misérias fabulosas!

Chegou a hora de cansar… cansei!
Sabei que as chagas todas que aureolei
São rosas de papel como as das feiras.

Que eu vivo a expor minh’alma nas estradas,
Com chagas inventadas retocadas…
Para esconder bem fundo as verdadeiras.

José Régio

Tuesday, May 24, 2005


Sentado no canto mais escuro da noite
A noite mais escura- a noite da traição

Um amigo que nos fere
É beber leite materno envenenado
É abraçar mil lâminas como a um irmão
É ver a máscara de ferro fundido cair com estrondo
e apertar no ponto mais frágil de um coração que baixou a guarda
É ouvir das Fúrias o grito derradeiro
É sentir a fragância putrefacta do caixão...

E desconfiamos das sombras familiares
E em sobresalto rejeitamos afecto
E acabamos frios como um rochedo
Sem que ninguém ouse chegar-se perto.

Thursday, May 19, 2005

Ontem li:


EU LUMINOSO NÃO SOU

Eu luminoso não sou. Nem sei que haja
Um poço mais remoto, e habitado
De cegas criaturas, de histórias e assombros.
Se, no fundo poço, que é o mundo
Secreto e intratável das águas interiores,
Uma roda de céu ondulando se alarga,
Digamos que é o mar: como o rápido canto
Ou apenas o eco, desenha no vazio irrespirável
O movimento de asas. O musgo é um silêncio,
E as cobras-d'água dobram rugas no céu,
Enquanto, devagar, as aves se recolhem.

José Saramago

Tuesday, May 17, 2005

Ontem li:


O Despertar de Adónis de John William Waterhouse
DESPERTAR
É um pássaro, é uma rosa,
é mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar.


Eugénio de Andrade

Friday, April 29, 2005

Ontem li:

Poeta: uma criança em face do papel
Poema: os jogos inocentes,
Invenções de menino aborrecido e só
A pena joga com as palavras ocas,
Atira-as ao ar a ver se ganha o jogo;
os dados caem: são o poema. Ganhou


Adolfo Casais Monteiro

Monday, April 11, 2005

Vive numa prisão sem barras de metal
Morre numa frágil prisão que é a sua própria pele

Envelhecida

Não pode confiar nas suas memórias

Pergunto-te:
“Qual a sensação de esperares por Ela?”

Responde-me com um olhar resignadoe manso
Que me faz chorar tristeza pura
(mais parece que se me derrete o olhar)

Surge um silêncio sem palavras
(quando se está só começamos a esquecê-las)
Um silêncio que me corta como mil lâminas
Quando numa vertigem vejo
Que sou eu quem não está preparado
Para o momento em que se liberte...
E é uma liberdade lenta e agoniosa!

Friday, April 01, 2005

...e pudesse eu pagar de outra forma...

Envolvido pela névoa dos teus cabelos Deixo-me estar na véspera da tua ausência Roubaste o fogo em que me deleitava Com a tua gélida despedida Agora quero assistir eternamente Ao festim das aves 
carnívoras 
com as tuas entranhas

Thursday, March 24, 2005


Indifference de Scott Barrow


Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos

de Eugénio de Andrade

Monday, March 21, 2005

Ontem li:

espelho, és a terra onde as raízes rebentam de mistérios.
repetes as perguntas que te faço, porquê?, repetes
os olhares sem fim das coisas paradas, repetes o meu olhar.
espelho, és a parede e a pele cansada, és um silêncio a morrer à noite,
és o que ninguém quer, a verdade mais triste e cansada por dentro.
repetes as perguntas que te faço, porquê?, repetes
a desgraça, a miséria e o desespero.
espelho, quis conhecer-te e perdi-me de ti.

José Luís Peixoto

Tuesday, March 15, 2005

Desce a escadaria transvertida de vida
No salão todos param de conversar
Como se o ruído fosse uma ofensa
Embriagado pela atmosfera de perfumes sintéticos e irreais
Grito: “MORTE, MORRE!”

Se um instante durasse mais do que isso mesmo
Elegeria aquele como meu...

Até a cor dos cabelos é falsa
Enquanto ondulam ao dançar
Apetece-me vomitar
Mas não tenho mais no estomâgo do que vermes e terra...

Monday, March 07, 2005

Ontem ouvi...

The Blower's Daughter
and so it is
just like you said it would be
life goes easy on me
most of the time
and so it is
the shorter story
no love no glory
no hero in her skies
I can't take my eyes off of you
and so it is
just like you said it should be
we'll both forget the breeze
most of the time
and so it is
the colder water
the blower's daughter
the pupil in denial
I can't take my eyes off of you
did I say that I loathe you?
did I say that I want to
leave it all behind?
I can't take my mind off of you
my mind
'til I find somebody new

Tuesday, February 22, 2005

Ontem li:


The Little Black Boy
My mother bore me in the southern wild,
And I am black, but oh my soul is white!
White as an angel is the English child,
But I am black, as if bereaved of light.

My mother taught me underneath a tree,
And, sitting down before the heat of day,
She took me on her lap and kissed me,
And, pointed to the east, began to say:

"Look on the rising sun: there God does live,
And gives His light, and gives His heat away,
And flowers and trees and beasts and men receive
Comfort in morning, joy in the noonday.

"And we are put on earth a little space,
That we may learn to bear the beams of love
And these black bodies and this sunburnt face
Is but a cloud, and like a shady grove.

"For when our souls have learn'd the heat to bear,
The cloud will vanish, we shall hear His voice,
Saying, 'Come out from the grove, my love and care
And round my golden tent like lambs rejoice',"

Thus did my mother say, and kissed me;
And thus I say to little English boy.
When I from black and he from white cloud free,
And round the tent of God like lambs we joy

I'll shade him from the heat till he can bear
To lean in joy upon our Father's knee;
And then I'll stand and stroke his silver hair,
And be like him, and he will then love me.
by William Blake, Songs of Innocence (1789)

Tuesday, February 15, 2005

Inveja também é Medo 3



O Coração do Menino e o Menino do Coração, conto de Mia Couto

Inveja também é Medo 2



Antídoto, contos de José Luís Peixoto

Inveja também é Medo 1

Série de posts dedicados ao que li, gostei, e queria ter sido eu a escrever:

O Homem, Conto de Sophia de Mello Breyner Andresen

Monday, February 14, 2005

Poema pouco original do medo

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angústiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos


Alexandre O'Neill

Ao LFCP


Pergunto ao meu avô:
“Onde está o tempo?”

Responde-me:
“O tempo que passou está na minha face, está nas minhas mãos...
O tempo que virá está nas tuas!”

Chorei, livre mas abandonado,
completamente entregue às lágrimas que sulcavam o meu rosto
Os meus gritos queriam dizer miséria e angústia nalguma língua desconhecida.

Senti-me prisioneiro nas paredes sujas da cidade,
Longe da minha aldeia,
menino assustado que acorda sobressaltado de um pesadelo.

Sem saber porquê, vieram a meus olhos as imagens com as quais aprendi o que era a Morte:
A Morte no poço
A Morte na corda
A Morte na arma
A Morte no frasco de veneno

Esta é a Morte da Aldeia
Vejo-a nos olhos cheios de passado do meu avô...
Vejo-a na face de toda a gente...

Friday, February 11, 2005

American Poet



AWAKE

Shake dreams from your hair
My pretty child, my sweet one.
Choose the day and choose the sign of your day
The day's divinity
First thing you see.

A vast radiant beach in a cool jeweled moon
Couples naked race down by its quiet side
And we laugh like soft, mad children
Smug in the woolly cotton brains of infancy.
The music and voices are all around us.
Choose, they croon, the Ancient Ones
The time has come again.
Choose now, they croon,
Beneath the moon
Beside an ancient lake.
Enter again the sweet forest,
Enter the hot dream,
Come with us,
Everything is broken up and dances.

by Jim Morrison

Jim Morrison não é só um dos maiores ícones pop da sua geração. Um olhar mais atento descobre pérolas como este belíssimo Awake. Há qualquer coisa de Dionisiano neste poema. Espero que apreciem.

Thursday, February 10, 2005

Balada de um Estranho

Hoje acordaste de uma forma diferente dos outros dias
Sentes-te estranho
Tens as mãos húmidas e frias
Tentas lembrar-te de algum pesadelo
Mas o esforço é em vão
Parec-te ouvir passos dentro de casa
Mas não sabes de quem são

Deixas o quarto
E vais à sala espreitar atrás do sofá
Mas aí tu já suspeitas que os fantasmas não estão lá
Vais à janela e ao olhares para fora
Sentes que perdeste o teu centro
E de repente descobres
Que chegou a hora de olhares para dentro

Porque há qualquer coisa que não bate certo
Qualquer coisa que deixaste para trás em aberto
Qualquer coisa que te impede de te veres ao espelho nu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu

Vês o teu nome escrito num envelope
Que rasgas nervosamente
Tu já tinhas lido essa carta antecipadamente
E os teus olhos ignoram as letras
E fixam as entrelinhas
E exclamas: "Mas afinal... estas palavras são minhas!"

O caminho para trás está vedado
E tens um muro à tua frente
E quando olhas para os lados vês a mobília indiferente
E abandonas essa casa
Onde sentiste o chão a fugir
Arquitectas outra morada,
Mas sabes que estás a mentir

Porque há qualquer coisa que não bate certo
Qualquer coisa que deixaste para trás em aberto
Qualquer coisa que te impede de te veres ao espelho nu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu

Jorge Palma, Balada de um Estranho

Wednesday, February 09, 2005

Luz medo

Nuvens de fumo enchem meus olhos de verdade:
Aparições das coisas como foram e como serão
Seres de duas faces, encriptadas em línguas mortas

Alucino

Dentes velhos, avançam para mim- não distingo sangue de ferrugem...
Sempre os mesmos dentes para os quais não há antídoto
Medo é veneno. Veneno é medo.

Vejo

Fogem de mim como ameaçadas pelo sol
que inrrompe pela cave.
O medo não se esconde na sombra,
Esconde-se na luz!

Wednesday, February 02, 2005

Vestígios

noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenámo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas
noutros tempos os dias corriam como a água
e limpavam os líquenes das imundas máscaras
hoje
nem uma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se espande pelo corpo estentido
no quarto do zinabre e do álcool
pernoita-se onde se pode
num vocabulário reduzido e obsessivo
até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir
apesar de tudo continuamos a repetir os gestos
e a beber a serenidade da seiva
vamos pela febre dos cedros acima
até que tocamos o místico arbusto estelar
e o mistério da luz fustiga-nos os olhos numa euforia torrencial.

Al Berto

cavalos de fogo
libertam o sol
na aragem
que os abraça carinhosamente
fazendo a luz ténue
que lhes deu vida
chorar as sombras
que teimam em fugir

NOX metaforaimagista.blogspot.com

Não resisti a tamanha cumplicidade entre Perfeição e Simplicidade deste poema de Nox.

Tuesday, February 01, 2005

Exercício de Memória

Fios invisiveis suspendem pontes inacabadas
Que levam a lugar nenhum e espalham a sombra pela terra morta
As águas sepultam exércitos de outra era e soltam o odor intoxicante da morte

Estou preso no sonho

"Vem para dentro da sombra" sussuram-me
"As criaturas da escuridão são horríveis à vista mas agradáveis ao tacto"
Toquei-lhe na anca e a Morte sorriu.

Neruda/Comércio de palavras

A palavra

Pablo Neruda

"... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as como estalactites no meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda... Tudo está na palavra... Uma ideia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que, se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ... São antiquíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, botifarras, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras. "

Thursday, January 27, 2005

Porque sim, sempre porque sim!

Vamos lá contar as armas
tu e eu, de braço dado nesta estrada meio deserta
não sabemos quanto tempo as tréguas vão durar...
há vitórias e derrotas apontadas em silêncio
no diário imaginário onde empilhamos as razões para lutar!

Repreendo os meus fantasmas ao virar de cada esquina
por espantarem a inocência quantas vezes te odiei com medo de te amar...
vejo o fundo da garrafa
acendo mais outro cigarro
tudo serve de cinzeiro
quando os deuses brincam é para magoar!

Vamos enganar o tempo
saltar para o primeiro combóio
que arrancar da mais próxima estação!
Para quê fazer projectos
quando sai tudo ao contrário?
Pode ser que, por milagre,
troquemos as voltas aos deuses

Entre o caos e o conflito
a vontade e a desordem
não podemos ver ao longe
e corremos sempre o risco de ir longe demais
somos meros transeuntesno passeio dos prodígios
somos só sobreviventes
com carimbos falsos nas credenciais.

Jorge Palma, Passeio dos Prodígios

Monday, January 10, 2005

Interjeições verbais cuspidas à velocidade de um jacto de esperma no momento em que desova o primeiro ovo do Dr. Salazar. Cuidado senão constipa-se e os dentes saem tortos das gengivas da galinha da minha vizinha Lurdes de Fátima. O coração do abutre quer um espanador: "O homem é um espanador, não um aspirador, caralho!"
Rua acima até à praça do giraldo, esta trip é maligna... panteras circenses posam para a câmara, sorri à foto, foda-se japoneses do caralho, deixem cá o guito é hora de almoço e tenho poucos dentes para roer a bucha. Se o pão sabe a merda a culpa é do governo do Cavaquistão filhos da puta do caralho. As pedras da calçada gemem sujas de vómito, olham para mim com olhos de desenho animado japonês. Frota de pesqueiros de tijolos da noruega, haviam de comer bostas de caracol filhos da puta ranhosos. Anda para o carrosel Manuel Maria AM/FM muda de posto Sargento do Entrecosto de Vaca e Entremeada da Mealhada. Merda do vinho está doce, parece xarope de mijo do Camilo e do Eça. Colares o Caralho do Espanhol, li no Borda d'Água. Tá na hora de colher tomates à tesourada, dão uma boa salada com óleo de motor usado. A rua desce mas eu fico parado e alheado de duas trutas encostadas à esquina à procura de uma canivete canadiano para fingirem ser o justiceiro a falar com o Kit do Schumacher como se falasse com Alá. Sentem-se no caralho mais mal enjorcado que fodeu as tetas da tua mãe, a ministra dos assuntos bem internos e inteiros de 50cm. Foda-se doem os olhos, cores a mais, são sempre horas de limpar o pó à tralha.
Sinto bem aquele gajo despenteado que me olha no vidro q a imitar-me, filho de um cabrão, fodo-te o juízo, vou desmaiar no horizonte, perdido entre dois boing 707 licença para despenhar.

Na minha mente sensível, a existência surge como uma extensa prisão, melhor: como uma ilha de dimensão considerável rodeada de desconhecido. É esta ilha uma prisão de muitos homens que não se conhecem nem a si mesmos nem nunca poderão conhecer. Amam como quem odeia, vivem como quem morre, beijam como quem mata! Esperam pelos filhos e depois abandonam-os como os pais os abandonaram. Menos cruel seria devorarem-nos à nascença. Procuram alívio para as suas culpas em drogas que lhas hipotecam com elevados juros. São seres divididos entre não-existências. A fuga é possivel mas incerta. Há monstros ambíguos nas águas do mar. O que fazer quando as águas sobem até à ilha? Não há por onde fugir de nós próprios, daquilo que não queremos conhecer.