Wednesday, February 02, 2005

Vestígios

noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenámo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas
noutros tempos os dias corriam como a água
e limpavam os líquenes das imundas máscaras
hoje
nem uma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se espande pelo corpo estentido
no quarto do zinabre e do álcool
pernoita-se onde se pode
num vocabulário reduzido e obsessivo
até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir
apesar de tudo continuamos a repetir os gestos
e a beber a serenidade da seiva
vamos pela febre dos cedros acima
até que tocamos o místico arbusto estelar
e o mistério da luz fustiga-nos os olhos numa euforia torrencial.

Al Berto

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