"A vida é circular". Era assim que falava. Sentenciava da autoridade dos seus oitenta e alguns anos. "Os que a vêem como uma linha que parece reta, enganam-se".
Era difícil perceber a que se referia. Os filhos e netos encolhiam os ombros, certos de que a idade trazia já alguma baralhação natural às ideias. Ao mesmo tempo, surpreendidos. Não era costume ouvir-lhe duas frases seguidas. Mas isso não lhe diminuía o entusiasmo. Não lhe interessava se o compreendiam. Sabia que, um dia, chegariam eles próprios à mesma verdade. De que lhe valia tirar-lhes as certezas? Temos que ser nós próprios a abdicar delas, se tentam que as abandonemos, ainda as agarramos com mais força.
E embalava na conversa: "Eu também pensava que era uma linha que se ia apagando no fim, mas vejo agora que não." Com o bisneto ao colo, os descendentes atribuíam também à comoção do momento alguma desordem no discurso. "É um círculo, nós é que estamos tão concentrados no que acontece à nossa volta que não damos pela curva. Só quando as linhas se vão fechando e repetindo, percebemos que não se apagam. Unem-se!"
Era difícil perceber a que se referia. Os filhos e netos encolhiam os ombros, certos de que a idade trazia já alguma baralhação natural às ideias. Ao mesmo tempo, surpreendidos. Não era costume ouvir-lhe duas frases seguidas. Mas isso não lhe diminuía o entusiasmo. Não lhe interessava se o compreendiam. Sabia que, um dia, chegariam eles próprios à mesma verdade. De que lhe valia tirar-lhes as certezas? Temos que ser nós próprios a abdicar delas, se tentam que as abandonemos, ainda as agarramos com mais força.
E embalava na conversa: "Eu também pensava que era uma linha que se ia apagando no fim, mas vejo agora que não." Com o bisneto ao colo, os descendentes atribuíam também à comoção do momento alguma desordem no discurso. "É um círculo, nós é que estamos tão concentrados no que acontece à nossa volta que não damos pela curva. Só quando as linhas se vão fechando e repetindo, percebemos que não se apagam. Unem-se!"
O único que ouvia e parecia compreender tudo era Lourenço, o bisneto com quase dois meses. Este olhava como quem vê sabedoria nas palavras do bisavô, fixava-o com os seus rasgadinhos olhos claros e inocentes de quem ainda não viu todas as faces do destino. Apercebendo-se disso, José, o bisavô, dirigiu-se a ele: "Eu chego ao fim do círculo e tu começas agora. Se isto não é a perfeição, não a há no mundo!" E dos olhos velhos e cansados, enquadrados por farto sobrolho, escorria afeição, aceitação e contentamento em estado líquido. Lourenço expressava, tanto quanto é possível a um recém-nascido, sentimentos semelhantes.
Eram os dois uma ilha naquele mar de ignorância. Partilhavam um conhecimento que, em breve, ao mais velho de pouco serviria e o mais novo depressa ia esquecer. Os outros pensavam em outras coisas: na ceia de Natal, presentes e sabe-se lá em que outras ninharias. "Não te peço que te lembres de mim. Acabaste de chegar e eu estou quase de abalada, mas pergunta por mim. Mantém o círculo fechado sempre. Sem memória, somos como os bichos, somos quebrados. O meu nome, no fim do teu, não basta. Tenta saber de onde vens. Tens de o fazer!"
Eram os dois uma ilha naquele mar de ignorância. Partilhavam um conhecimento que, em breve, ao mais velho de pouco serviria e o mais novo depressa ia esquecer. Os outros pensavam em outras coisas: na ceia de Natal, presentes e sabe-se lá em que outras ninharias. "Não te peço que te lembres de mim. Acabaste de chegar e eu estou quase de abalada, mas pergunta por mim. Mantém o círculo fechado sempre. Sem memória, somos como os bichos, somos quebrados. O meu nome, no fim do teu, não basta. Tenta saber de onde vens. Tens de o fazer!"
E podia acabar aqui, mas não acaba. Na realidade, continua sempre. Com Lourenço, a abrir nova curva e a dizer ao seu bisneto: "A vida é circular".
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