Teria dez, onze anos. O meu primo
tão pouco mais e o meu irmão tão pouco menos que não faz diferença nenhuma para
a história que relembro. Passou-se nas férias de verão, esse período em que os
dias são como grandes lagartos: longos, vagarosos e preguiçosos. Dias que
pareciam não ter fim para serem repetidos uma e outra vez na eternidade daquele
calor abrasador.
O quintal dos meus avós era um mundo
que tínhamos já explorado de cabo a rabo. Todos os recantos desde a parte de
baixo, encostada à marquise com as suas duas nespereiras, ao muro que o
limitava lá em cima com telhas, tijoleiras e vigas que o meu avô lá guardava a
servirem-lhe de guarda de honra. O galinheiro e as colheiras não guardavam
novidade para os três. Não nos surpreendiam já os movimentos rápidos dos
coelhos quando nos aproximávamos e acostumámo-nos às remelas que chagavam
aqueles afetados pelo “mal dos coelhos”. A cerca onde, por vezes, estavam
alguns borregos, que o meu avô criava e depois vendia porque não tinha coragem
de matar, tinha tido o seu potencial para a brincadeira esgotado. Não
inventávamos mais touradas com bois sonhados nem a nossa imaginação conseguia
já lobrigar ali um forte de índios, um castelo ou um navio de piratas. O casão
onde o meu avô guardava as ferramentas há muito que se abrira também e
conhecíamos o lugar das talochas, colheres de pedreiro, pás, carrinhos de mão e
toda a sorte de utensílios de que o meu avô fazia uso para ganhar o pão.
Nas horas de calor, quando os
adultos se fechavam em casa após nos chamarem insistente e inutilmente, o
quintal era só nosso. Sem supervisão, em liberdade total naquele mundo
limitado. Corríamos por ali como pequenos selvagens com os joelhos sempre
escalavrados e os calções imundos. Formávamos os três uma espécie de tribo com
uma hierarquia bem definida em que os poucos meses que espaçavam os nossos nascimentos
ditavam a liderança. Por isso, foi como se fosse uma ordem de um capitão que,
quando o meu primo teve a ideia, nós decidimos lançarmo-nos à obra. Algo
brilhante, tão brilhante que até parecia um absurdo nunca termos pensado nisso.
Anunciado como se fosse tão banal como colher uma romã da romãzeira: “hoje
vamos fazer uma piscina”. Mesmo assim, uma empreitada. Naquele momento, nenhum
de nós ousava imaginar outro cenário para o dia seguinte que não implicasse
mergulhos e braçadas no quintal dos meus avós.
No casão estava tudo o que fazia
falta. Não tínhamos necessidade de projetos ou plantas. Com uma cana afiada, o
nosso mestre-de-obras sulcou no chão, aquilo que seriam os limites da piscina.
E, enquanto a minha avó, no fresco da casa, dormia a ver a novela, nós
começámos a nossa missão. Eu com um sacho, o meu primo com a enxada e o meu
irmão com a pá, íamos lutando contra o calor, o chão duro e seco e
acrescentando cada vez mais o buraco. O meu irmão ia tirando, às pazadas, a
terra num esforço sincronizado e fraterno. Suados e com os membros mais e mais
pesados, íamos assistindo ao evoluir do nosso trabalho. Encorajávamo-nos uns
aos outros em silêncio com o foco na recompensa que era, para nós um sonho. O
calor que sentíamos era refrescado com a perspetiva de um oásis no meio do
quintal.
Quando chegou o meu avô, irado e
impressionado em igual medida, ficou a obra embargada. Na minha memória, era
uma piscina já descomunal, talvez olímpica, e tínhamos escavado a um ponto em
que saímos de lá com dificuldade. Mas, o mais certo é ter sido menos que uma
cova. Um fracasso total tendo em conta a ambição do projeto.
Recordando esta empresa, não é o
fracasso a ideia que retenho. Tanto que, ao dar à manivela ao mecanismo da
memória, revivo-a amavelmente. Pensando bem, não se perdeu nada. Até porque
acredito que nadar na piscina nos trouxesse menos satisfação que aquela jornada de trabalho.