Thursday, November 26, 2009

Estou a ler...



A Estrada de Cormac McCarthy.


O rapaz e o pai. A estrada, coberta de neve e cinza. A mesma cinza que enche o ar à sua volta e que são obrigados a respirar. Dois seres débeis, cansados, sujos e esfomeados, permanentemente enregelados com frio na paisagem desolada (wasteland). Sãos os únicos, são "aqueles que transportam o fogo" num mundo moribundo de humanidade. O revólver com duas balas. Uma possibilidade em aberto. Depois uma bala e a estrada que conduz até à costa. À salvação?
Grande romance, Cormac MacCarthy escreveu com mestria esta história sombria que estou a devorar, quase como se as páginas fossem ficando vazias à medida que vou lendo. Aqui e ali, vou sentindo semelhanças na minha disposição com a que tinha enquanto li pela primeira vez Ensaio sobre a Cegueira.
E também vem aí uma adaptação para cinema com Viggo Mortensen.

Friday, November 20, 2009

Whatever works

Vi ontem este pequeno grande filme de Woody Allen. Regressou a casa para mais um filme em Nova Iorque depois de Londres e Barcelona e, independentemente do valor de Match Point e Vicky Cristina Barcelona, é neste cenário que eu gosto de o ver. Para além disso volta a um registo no qual temos uma personagem central completamente neurótico, pessimista, misógino (um pouco à imagem de outras personagens interpretadas pelo próprio Allen) e que no fundo é um génio com mau génio brilhantemente interpretado por Larry David (que conhecemos da série de televisão Curb your Enthusiasm). Consegue-nos cativar apesar da estranheza e mau temperamento da sua personagem (um efeito que Hugh Laurie consegue tão bem com o seu House). Também se destaca Evan Rachel Wood que tem uma presença absolutamente luminosa no ecrã.
Não é o filme do ano, mas é um excelente filme. Aqui fica o trailer:
****

Saturday, November 07, 2009

Ainda a religião

Tal como dizia na resposta ao comentário do grande Luís Pinto, há dezenas de livros bem mais agressivos em relação a Deus do que o de Saramago. Apresento aqui um excerto de Comboio Nocturno para Lisboa que me ocorreu por ser um dos livros que estou a ler actualmente:

"«Deus castiga o Egipto com as pragas, só porque o faraó se mostra inflexível», disse então, «mas foi o próprio Deus que o fez assim! E fê-lo assim para depois poder demonstrar o seu poder! Que Deus vaidoso e presumido! Que gabarola insuportável!»"

ou ainda

"«Acho uma religião em cujo centro se encontra uma cena de execução repugnante (...) Imagina que teria sido uma forca, uma guilhotina ou um garrote. Imagina como é que teria então sido o nosso simbolismo religioso.»"

Mas a questão fundamental é que não acredito que Saramago tivesse como intenção causar choque ou perplexidade, muito menos indignação, estava apenas a escrever um livro. O que devemos analisar, mais do que as palavras escritas no livro e as reproduzidas pela comunicação social, é a reacção da sociedade. Parece que hoje temos que ser partidários ou da Igreja, da moral e bons costumes ou de Saramago e das suas ideias blasfemas. Vivemos num mundo a preto e branco em que o extremismo não nos permite parar para reflectir.

Em última análise é apenas um livro, uma obra de ficção que não tem que ofender ninguém e muito menos as suas crenças religiosas. Que os seus editores estão satisfeitos com a polémica, não duvido. Também espero que o tempo em que os livros eram proibidos e queimados não volte.

Thursday, November 05, 2009

Religulous

Numa altura em que se fala tanto de religião por causa das provocações do nóbel José Saramago (espantoso como consegue ainda ser refrescante e suscitar debate), deixo aqui uma sugestão mais ligeira enquanto não leio Caim. Trata-se de Religulous, um documentário (género de que começo a gostar cada vez mais) com o comediante Bill Maher que tenta demonstrar que as doutrinas das principais religiões do mundo são tão credíveis como contos de fada. Tipo Jonas e a Baleia... Jonas viveu três dias dentro de uma baleia... ok. O mais ridículo de tudo é que as pessoas com quem fala encaram os seus livros sagrados literalmente, não como uma alegoria. Pega nas estapafúrdias revelações da Cientologia e ao compará-las com a Bíblia, até se tornam algo credíveis. Aqui fica o trailer. Lets look at the traila.

Monday, November 02, 2009

Projecto sem nome inspirado em Homeless Giant Parte I

I
Lembro-me como foi. Era verão, as pessoas pareciam absurdamente felizes por abandonarem, por uma ou duas semanas, as suas vidas. Como manadas, com a mesma vibração com que todos os dias atravessavam pontes para ir trabalhar e enfrentavam a longa espera, migravam de norte para sul e de este para oeste. Os automóveis, rugindo em competição, enchiam as estradas. Nas cidades de paragem, os negócios prosperavam, vendiam-se cafés ali, cozido à portuguesa em outro local, pinhoadas e camarão do rio na Ponte, recordações feitas de barro. Os comerciantes, antigos homens do campo, viam-nos chegar e partir enquanto contavam os euros que lhes iam enchendo a registadora. Quem ficava no norte e no interior, queimava o tempo a ver ciclistas, futebolistas e festas em directo pela televisão. Tentavam esquecer a pouca sorte de não se poderem juntar aos seus vizinhos naquele êxodo.
As televisões e os jornais enchiam-se de notícias que não eram notícias, de reportagens que nada reportavam, de entrevistas a pessoas conhecidas que tinham as suas verdades a anunciar ao mundo como o seu restaurante preferido, ou quem pensavam que ia vencer o campeonato de futebol, ou se preferiam bolos com ou sem creme. As notícias rareavam, os jornalistas com discernimento estavam de férias. Eram só cães a morder homens.
Até que, de repente, surgiu a notícia. De início, um repórter bronzeado tentando fazer humor com a situação, a tentar transformar a notícia numa não-notícia ou num sketch humorístico. Ao seu lado, todos procurávamos a cara envergonha sob o peso daquela chacota. Mas não víamos mais que a cintura de alguém andrajosamente vestido.
Quando a câmara num ângulo impossível lhe captou a face apontando para o céu, fiquei incrédulo. Aquela cara, eu que a tinha tentado esquecer com tanta força, perseguia-me na minha própria televisão.