Tuesday, May 24, 2005


Sentado no canto mais escuro da noite
A noite mais escura- a noite da traição

Um amigo que nos fere
É beber leite materno envenenado
É abraçar mil lâminas como a um irmão
É ver a máscara de ferro fundido cair com estrondo
e apertar no ponto mais frágil de um coração que baixou a guarda
É ouvir das Fúrias o grito derradeiro
É sentir a fragância putrefacta do caixão...

E desconfiamos das sombras familiares
E em sobresalto rejeitamos afecto
E acabamos frios como um rochedo
Sem que ninguém ouse chegar-se perto.

Thursday, May 19, 2005

Ontem li:


EU LUMINOSO NÃO SOU

Eu luminoso não sou. Nem sei que haja
Um poço mais remoto, e habitado
De cegas criaturas, de histórias e assombros.
Se, no fundo poço, que é o mundo
Secreto e intratável das águas interiores,
Uma roda de céu ondulando se alarga,
Digamos que é o mar: como o rápido canto
Ou apenas o eco, desenha no vazio irrespirável
O movimento de asas. O musgo é um silêncio,
E as cobras-d'água dobram rugas no céu,
Enquanto, devagar, as aves se recolhem.

José Saramago

Tuesday, May 17, 2005

Ontem li:


O Despertar de Adónis de John William Waterhouse
DESPERTAR
É um pássaro, é uma rosa,
é mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar.


Eugénio de Andrade